Como
falar de um filme ruim? Para muitos, a pior crítica que se pode fazer de uma
obra é dizer nada sobre ela. Nada pior para uma produção artística do que
simplesmente não existir aos olhos da sociedade. Não valer o esforço nem de escrever,
parcas linhas que sejam sobre ela. Não vamos nos enganar. Em tempos “digitais”,
e suas facilidades de produção, podemos afirmar que esta categoria de filmes,
os mediocramente nulos, é a mais vasta de todas (Todos os anos são lançados de
acordo com o site IMDB mais de 19 mil filmes!!! E quantos deles você viu?). A
cada temporada um mar de filmes péssimos são produzidos e (pior!!) exibidos.
Mas,
às vezes, alguns filmes ruins merecem uma parada e uma reflexão. Já que através
deles, podemos descobrir os possíveis caminhos para uma boa produção. Apontando
e aprendendo com seus erros. Longe desse humilde projeto de crítico que vos
escreve, acreditar que exista apenas uma maneira correta de fazer cada filme (e
que minha maneira é a correta), mas mesmo assim vale o exercício da reflexão,
pois assim buscamos e entendemos melhor os limites da linguagem. Essa discussão
da qualidade, e da falta dela, nos ajuda em última instância a compreender melhor
o nosso objeto e a nós mesmo.
Toda
esta introdução (o que em crítica já é um grave defeito, que chamamos de
clássico “nariz de cera”) para falar sobre o documentário “Reidy – A construção
da Utopia”, dirigido por Ana Maria Magalhães. A produção é um documentário
sobre o arquiteto franco-brasileiro Affonso Eduardo Reidy, um dos mais
instigantes e, talvez, ainda atuais arquitetos modernistas. Nome escondido,
como muitos outros, pela sombra do monumento hylander Oscar Niemeyer.
Talvez
uma das maiores dificuldades de uma produção brasileira que se propõe falar de
arquitetura seja tornar consciente, a nós leigos, a importância e complexidade
da realização arquitetônica. Ou seja, explicar o que é arquitetura. Afinal,
apesar de lideramos com “arquiteturisses” todos os dias, não nos darmos conta
de sua importância para nosso dia-dia. Não vemos como o espaço construído direciona
e ao mesmo tempo reflete o ser, o estar e o devir no mundo. É fácil? Não! Mas
este é o desafio de falar sobre arquitetura, ou sobre qualquer categoria
diretamente ligada a filosofia da estética (como o que? O cinema!). E é esse
ponto fundamental que a diretora parece não se preocupar. O foco fica
excessivamente em filosofar sobre a utopia e o mundo, que Ana Maria Magalhães
se esquece de discutir, e de mostrar, a arquitetura.
Ironicamente
o filme parece entender tão pouco do seu objeto, que não consegue criar como um
bom projeto “arquitetônico”, ou seja, uma forma que reflita o seu conteúdo. Por
isso, as imagens e a montagem não falam nem refletem a genial arquitetura e o urbanismo
humano de Reidy. O excesso de movimento nas imagens, a ligação pouco clara
entre falas, o não desnudamento do que há por trás dos projetos não deixa a
arquitetura falar por si. Não sou arquiteto (apenas por osmose, pois sou casado
com uma), ou conhecedor, ou mesmo estudioso da obra de Reidy, ou de qualquer outro.
Mas acredito que os pontos iniciais para se falar sobre arquitetura sejam o
mesmo para se falar de qualquer arte, sensibilidade e processo de
conscientização.
Afinal, mesmo sabendo muito pouco sobre o
assunto somos (todos nós não arquitetos) “os críticos ideais” de qualquer
projeto, pois somos nós, nas lições do próprio Reidy, o objeto da arquitetura
(ou de seu usufruto). Somos o equivalente para arquitetura dos “leitores ideais”
da literatura. A escala humana dos projetos transformados em realidade. É verdade
que deveríamos melhorar nossos processos de conscientização em relação as
questões arquitetônicas. Deveríamos entender melhor como o espaço a nossa
volta, como o construído e seus vazios, nos complementam, direcionam e nos
impactam. Mas mesmo assim por sermos usuários dos projetos, temos o direito, e
o dever, de falar o que achamos dos projetos.
Da
mesma forma no processo de ver um filme. Uma produção cinematográfica deve
sempre, como função social, nos fazer entender sobre nós e o mundo. Entender a
questões da nossa sociedade e do objeto que nos apresenta. Mas saímos do filme
sobre Reidy sem entender quem foi ou que foi Affonso Reidy. Pior! Saímos do filme
achando arquitetura algo muito distante e abstrato, quando na verdade essa é
das atividades humanas e filosóficas das mais concretas.
ps: Mas
pensando bem uma produção que sucinta tanta reflexão e um texto tão “grande”,
possui seus méritos. Certamente, para mim, “Reidy – A construção da Utopia” não
se encaixa na categoria dos filmes esquecíveis. Suas irregularidades mexeram
comigo.
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