Sunday, November 27, 2011

Quando filmes ruins falam com a gente


Como falar de um filme ruim? Para muitos, a pior crítica que se pode fazer de uma obra é dizer nada sobre ela. Nada pior para uma produção artística do que simplesmente não existir aos olhos da sociedade. Não valer o esforço nem de escrever, parcas linhas que sejam sobre ela. Não vamos nos enganar. Em tempos “digitais”, e suas facilidades de produção, podemos afirmar que esta categoria de filmes, os mediocramente nulos, é a mais vasta de todas (Todos os anos são lançados de acordo com o site IMDB mais de 19 mil filmes!!! E quantos deles você viu?). A cada temporada um mar de filmes péssimos são produzidos e (pior!!) exibidos.
Mas, às vezes, alguns filmes ruins merecem uma parada e uma reflexão. Já que através deles, podemos descobrir os possíveis caminhos para uma boa produção. Apontando e aprendendo com seus erros. Longe desse humilde projeto de crítico que vos escreve, acreditar que exista apenas uma maneira correta de fazer cada filme (e que minha maneira é a correta), mas mesmo assim vale o exercício da reflexão, pois assim buscamos e entendemos melhor os limites da linguagem. Essa discussão da qualidade, e da falta dela, nos ajuda em última instância a compreender melhor o nosso objeto e a nós mesmo.
Toda esta introdução (o que em crítica já é um grave defeito, que chamamos de clássico “nariz de cera”) para falar sobre o documentário “Reidy – A construção da Utopia”, dirigido por Ana Maria Magalhães. A produção é um documentário sobre o arquiteto franco-brasileiro Affonso Eduardo Reidy, um dos mais instigantes e, talvez, ainda atuais arquitetos modernistas. Nome escondido, como muitos outros, pela sombra do monumento hylander Oscar Niemeyer.
Talvez uma das maiores dificuldades de uma produção brasileira que se propõe falar de arquitetura seja tornar consciente, a nós leigos, a importância e complexidade da realização arquitetônica. Ou seja, explicar o que é arquitetura. Afinal, apesar de lideramos com “arquiteturisses” todos os dias, não nos darmos conta de sua importância para nosso dia-dia. Não vemos como o espaço construído direciona e ao mesmo tempo reflete o ser, o estar e o devir no mundo. É fácil? Não! Mas este é o desafio de falar sobre arquitetura, ou sobre qualquer categoria diretamente ligada a filosofia da estética (como o que? O cinema!). E é esse ponto fundamental que a diretora parece não se preocupar. O foco fica excessivamente em filosofar sobre a utopia e o mundo, que Ana Maria Magalhães se esquece de discutir, e de mostrar, a arquitetura. 
Ironicamente o filme parece entender tão pouco do seu objeto, que não consegue criar como um bom projeto “arquitetônico”, ou seja, uma forma que reflita o seu conteúdo. Por isso, as imagens e a montagem não falam nem refletem a genial arquitetura e o urbanismo humano de Reidy. O excesso de movimento nas imagens, a ligação pouco clara entre falas, o não desnudamento do que há por trás dos projetos não deixa a arquitetura falar por si. Não sou arquiteto (apenas por osmose, pois sou casado com uma), ou conhecedor, ou mesmo estudioso da obra de Reidy, ou de qualquer outro. Mas acredito que os pontos iniciais para se falar sobre arquitetura sejam o mesmo para se falar de qualquer arte, sensibilidade e processo de conscientização.
 Afinal, mesmo sabendo muito pouco sobre o assunto somos (todos nós não arquitetos) “os críticos ideais” de qualquer projeto, pois somos nós, nas lições do próprio Reidy, o objeto da arquitetura (ou de seu usufruto). Somos o equivalente para arquitetura dos “leitores ideais” da literatura. A escala humana dos projetos transformados em realidade. É verdade que deveríamos melhorar nossos processos de conscientização em relação as questões arquitetônicas. Deveríamos entender melhor como o espaço a nossa volta, como o construído e seus vazios, nos complementam, direcionam e nos impactam. Mas mesmo assim por sermos usuários dos projetos, temos o direito, e o dever, de falar o que achamos dos projetos.
Da mesma forma no processo de ver um filme. Uma produção cinematográfica deve sempre, como função social, nos fazer entender sobre nós e o mundo. Entender a questões da nossa sociedade e do objeto que nos apresenta. Mas saímos do filme sobre Reidy sem entender quem foi ou que foi Affonso Reidy. Pior! Saímos do filme achando arquitetura algo muito distante e abstrato, quando na verdade essa é das atividades humanas e filosóficas das mais concretas.

ps: Mas pensando bem uma produção que sucinta tanta reflexão e um texto tão “grande”, possui seus méritos. Certamente, para mim, “Reidy – A construção da Utopia” não se encaixa na categoria dos filmes esquecíveis. Suas irregularidades mexeram comigo. 

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