Sunday, November 30, 2008

Ensaio Sobre a Violência


Texto: Fábio Ávila Arcanjo

Minha primeira inclusão nesse universo bloggeiro contempla uma das figuras mais interessantes do cinema contemporâneo: o alemão Michael Haneke. Em primeiro lugar é preciso informar que eu não consegui assistir “Violência Gratuita” (a refilmagem do clássico de 1997), por um motivo simples: o filme ficou em cartaz apenas uma semana (uma brincadeira de mau gosto desse medíocre circuito de exibição que mantêm porcarias como “Jogos Mortais V” várias semanas no ar, deixando outras obras, minimamente mais relevantes, ao relento. Mas isso é assunto pra depois).

Minha primeira experiência com o diretor aconteceu em “A Professora de Piano” (2001). A história da professora frígida, interpretação magistral de Isabelle Hupert, que se envolve em uma relação doentia com um aluno mais jovem é arrebatadora. A partir desse momento, eu passei a procurar toda e qualquer produção dirigida por Michael Haneke. Os filmes vistos a seguir confirmaram a minha primeira impressão: o alemão é um gênio. “Código desconhecido” (2000) (retrato de uma Europa que, definitivamente, não fala a mesma língua, apesar de uma falsa imagem transmitida para o mundo); “Caché” (2005) (um filme altamente metalingüístico, que apesar de não focar o “fazer cinema”, acaba analisando o impacto que as imagens conseguem ter sobre as pessoas) e, evidentemente, a obra prima “Violência Gratuita” (1997). Segue abaixo um pequeno texto sobre o melhor filme de Michael Haneke.




Qual é a sua postura mediante a exposição banalizada da violência nos meios de comunicação? Programas como “Cidade Alerta” e filmes estrelados pelos trogloditas Steven Seagal, Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger têm repercussão pela exacerbada carga de violência que eles apresentam. Porém, esses produtos estão anos-luz de buscar uma reflexão sobre o assunto. Uma produção estrelada por Steven Seagal apresenta uma média de 10 a 15 assassinatos e o público alvo se deleita em cada uma delas. “Violência gratuita”, produção austríaca de 1997, contém um número substancialmente menor de mortes e o efeito desse filme nas pessoas é simplesmente devastador.

A estória gira em torno de uma família de classe média alta composta por Georg, Anna e o filho Georgie, que vão passar as férias em uma bela casa de campo situada à beira de um lago. Mas o paraíso se transforma rapidamente em inferno quando dois jovens (Paul e Peter) invadem a propriedade e tomam os membros da família como reféns. A partir daí, o título original do filme é justificado, pois o que acontece são verdadeiros jogos psicológicos, regrados a toques de sadismo e crueldade.

A abertura do filme é simplesmente assustadora: Durante a viagem a caminho da casa, Anna e Georg estão disputando um jogo sobre quem acerta as músicas clássicas que vão sendo tocadas no rádio. De repente, esse clima de tranqüilidade se esvai, quando Haneke corta a música erudita por um Black Metal que parece ter sido brotado das trevas. O expectador já sabe que vem chumbo grosso pela frente.

“Violência Gratuita” é perturbador do início ao fim. Durante os cerca de 100 minutos de projeção, o expectador é convocado a sair da posição de passividade, pois o filme dialoga com o público o tempo inteiro. Em um determinado momento, Anna pede para os bandidos mata-la de uma vez; a resposta deles não poderia ser mais brilhante: “Calma, o filme ainda não está no fim”. O pedido de Anna é o mesmo do público que não agüenta mais tanto terror. Mesmo público que, na maioria das vezes, se diverte quando Steven Seagal entra em um bar e mata todos os bandidos do local.

Outra seqüência é ainda mais notável: quem não se lembra da fita sendo rebobinada (que expressão velha!), o se lembra da fita sendo rebobinada el Haneke em atmes que em, aparentemente, um único momento de catarse para o público. Pois bem, o diretor apertou a tecla Rew, que poderia ser interpretado como um anticlímax, mas na verdade é Haneke conversando com o expectador (“Hei amigo, você não está assistindo a um filme de Michael Bay ou Tony Scott”). A crítica é feroz para pessoas que produzem e consomem, em demasia, produtos estilizados e que abordam a violência de forma banalizada.

Às vezes eu me pego com certa inveja de pessoas mais velhas, que tiveram a oportunidade de assistir o “novo filme” do Fellini, Truffaut, e tantos outros mestres no cinema. Imagine uma roda de amigos onde rola o seguinte diálogo: “Puxa vida, vai estrear nesse final de semana o novo filme do Billy Wilder. Acho que o nome é “Pacto de Sangue”. Vamos combinar de ir?”. Pois bem amigos, guardadas as devidas proporções, esse mesmo diálogo pode acontecer atualmente, quando Michael Haneke realizar seus próximos filmes, mas, por favor, seja rápido, pois você pode ter apenas um final de semana para assisti-los.

Nosso novo colaborador


Depois de mais uma eternidade sem nenhum post, é com grande prazer que o Cinema e Algo Mais volta a ativa, agora com a colaboração do meu grande amigo e jornalista Fábio Ávila Arcanjo, que torna-se co-criador deste pequeno espaço de reflexão sobre o cinema e afins.